Alexandre Brito, depois de mais de 50 anos respirando lança a antologia Cine ABC, em que se pode constatar a marca verbal de seus poemas, que, não sendo cerebrais, exigem a participação do corpo, através da voz, para que alcancem seu efeito maior quando lidos e ouvidos, explicitando a inquietação física que move esse poeta.
No conjunto Obra-Palavra ele teve lá sua catapora pelo fetiche da forma concretista, porém um poema visual como “borboletra” desmonta toda essa postura com a impostura do riso, insinuando em verdade outra de suas atenções que é escrever e interagir com o público infantil, ainda que o malaco lambe-letra adulto de biblioteca já abra essa reunião com um poema-epígrafe se insinuando com “de onde vem esse gosto de vulva em minha língua”… para logo depois dar ao leitor outro conjunto intitulado Metalíngua…
Sandra Santos, companheira de vida, a musa do Castelinho, um mito em Porto Alegre, sua musa inspiradora em vários poemas a ela dedicados, faz o prefácio muito revelador de quem é esse Alexandre poeta, intitulado “Um chapéu azul na cabeça de alguém contém um parque de diversões na cabeça”, que se abre com uma epígrafe de Pierre Reverdy: “A poesia está no que não é. no que nos falta. no que desejaríamos que fosse”.
A malandragem com a linguagem, muitas vezes de inspiração leminskiana, vira brincadeira: “pela manhã/ vesti a camisa listrada de um manduruvá// foi o que bastou/ desabotoei as margens do rio/ e saí por aí”. A irreverência leminskiana, somada àquela do senso de humor chistoso do velho Quintana das mesmas ruas pisadas por Alexandre em Porto Alegre e repisada nas releituras pode repentinamente ser reencontrada num poeminha assim:
aos meus 80 anoS
o novo já não me cai bem
nem a quadratura do círculo
ou a forma oval do ovo
hoje, sol posto
inovo envelhecendo
sou o mais velho rebento
*
Fico com mais desse senso de humor:
caiu em si
do vigésimo segundo andar.
*
mídia alternativa
televisões não cobriram
jornais não repercutiram
rádios não levaram ao ar
mas dona Maria espalhou
a notícia por toda a cidade
*
acendo a lâmpada
ouço o rumor de osso crescendo
não
é ferrugem
→ BRITO, Alexandre. Cine ABC. São Paulo: Editora Patuá, 2017.
[aviso aos incautos: não adianta buscar no site da Patuá, pois nem livro, nem autor lá constam como publicação da editora ainda que…]